BREWVENTURE#1 - Parte 2 (Alemanha)
Apertem os cintos! A segunda parte da BREWVENTURE#1 vai começar.
Pois é, depois de cerca de cinco dias na República Tcheca/Checa, foi dura a dor do "parto" mas tive que partir (nesse dia acordei piadético, me desculpem). Com um muito de quero mais, mas sabendo que o vizinho do lado também não iria me decepcionar peguei mais uma vez o querido "Flixbus" de Pilsen para Nuremberg. Mais uma vez, o ônibus/autocarro tinha uma lotação modesta, mas dessa vez a viagem era um pouco mais longa, cerca de 3 horas contando uma parada para esticar as pernas no meio do caminho.
Assim, cheguei em Nuremberg por volta das 15h30 de uma tarde ensolarada. O ônibus/autocarro parou muito próximo ao centro, onde ficava o meu hotel. Em menos de 15 minutos de caminhada já estava na recepção, sendo recebido por uma senhora muito simpática. Me apressei a entrar no quarto, colocar uma roupa mais condizente com os quase 20ºC que positivamente me surpreenderam e me fui para a rua. O almoço tinha sido um sanduíche que comi na viagem, por isso faltava o café antes de começar a exploração cervejeira.
Nuremberg é uma dessas cidades que mantém uma muralha e algumas de suas torres medievais cercando o seu centro histórico. Visitei algumas cidades assim em Portugal, mas reparo uma clara diferença estilística entre o tipo de construção da muralha e suas torres, muito bonito. Na parte que fica perto do hotel, o interior da muralha foi reaproveitado e abriga uma série de lojas de artesanato, restaurantes e cafés. Deveras encantado com toda essa beleza histórica, entrei em um dos cafés e pedi uma espécie de cuca e um café. Cu o quê? Pois é, cuca! No sul do Brasil, temos uma forte influência da colonização alemã. E domesticamos a palavra "kuchen", que no fundo quer dizer bolo em alemão, para cuca. E no fundo, os "kuchens" se distinguem de um bolo normal, por ter uma espécie de farelo por cima. É difícil explicar, vou deixar uma foto abaixo desse momento como exemplo, mas só experimentando mesmo. Foi um momento único da viagem, porque eu, natural do Brasil, que vive na Grécia, me senti em casa por alguns momentos. A simplicidade de um café e uma cuca me transportaram para casa, a cuca da Vó ou as do "Recanto do Mel", enfim, aproveitei para mandar uma foto no grupo da família e dizer que tudo estava bem comigo depois de mais um pedaço de viagem. Realmente não esperava por esse afago na chegada, que momento. 🥲
Revigorado, comecei a andar um pouco sem rumo. Sabia mais ou menos a direção do centro, e fui deixando o encantamento das miradas guiar o meu percurso. Não sei se é normal um dia tão bonito e agradável por aqui em pleno Março, mas pela quantidade de gente que havia na rua me pareceu que não. Gente por todo o lado, sentados nos cafés, sentados nas escadas, e por fim sentados mesmo no chão, na calçada, ao sol. Depois de percorrer um pouco o centro extasiado com a beleza e a boa energia que emanava, voltei as atenções à cerveja.
Reparei que a "Augustiner Bräu" tinha um restaurante/cervejaria nas redondezas. A "Augustiner" é umas das grandes cervejarias de Munique, e claro, uma referência quando o assunto é cerveja. Como a viagem para Munique ainda não está no radar, tive que aproveitar essa surpresa. E mais uma vez, a apenas dois dias do exame do BJCP, resolvi experimentar um dos estilos que não encontrei com facilidade durante os estudos, uma "German Helles Exportbier". Tive a oportunidade de analisar um rótulo, mas tinha diversos defeitos, então achei que era uma boa oportunidade de experienciar uma amostra fresca. E realmente, a "Augustiner Edelstoff" estava exuberante. É um estilo que combina uma pegada de malte e lúpulo bem equilibrada e que enche a boca. Tem um pouco mais de álcool que as Lagers mais comuns alemãs, mas nada exagerado (5,5-6%). Enfim, Cerveja com C maiúsculo. Nada passa desapercebido. Aliás, a levedura sim passa desapercebida como na maioria das Lagers.
Um perfeito início para um dia quente e ensolarado. O frescor e a refrescância que buscamos em todo copo de cerveja. Bebi essa cerveja escorado em uma réplica de barril de madeira que servia de mesa, vislumbrando os locais que foram reduzindo cada vez mais o espaço para passagem de carros na rua, uma vez que foram se chegando e sentando ali mesmo para aproveitar o sol. Invejei aquela gente, que podia simplesmente estar ali, Nuremberg parecia naquele dia um lugar perfeito para se viver.
Porém, Nuremberg tem a sua própria tradição cervejeira, e eu tinha que ir atrás das famosas "Rotbiers". "Rot" quer dizer vermelho em alemão, e sim, olhando para o copo ou para a foto dele é fácil entender o porquê. São cervejas totalmente viradas para o lado do malte, e não tão secas e com o perfil tostado de uma "Irish Red Ale". São mais semelhantes a uma "Märzen" ou uma "Vienna Lager". Particularmente, me agrada muito esse perfil maltado. Sim, o final pode ser um pouco mais doce dependendo da cerveja, mas quando conseguem não ser enjoativas, são cervejas deliciosas, com um pouco mais de corpo, para serem degustadas suavemente.
Café e cuca (esquerda). A tradicional "Rotbier" (centro). Panorama de Nuremberg (direita)
E logo ao lado do primeiro bolicho que parei estava a "Hausbrauerei Altstadthof". É umas das cervejarias mais tradicionais do centro histórico de Nuremberg, produzindo os estilos tradicionais artesanalmente desde sua fundação. Além disso, hoje também contam com uma destilaria onde produzem whisky e gin. Eles até tem visitas a fábrica. Mas pelo site, tinha entendido que elas eram em alemão. Porém, conversando com a atendente do bar/restaurante, ela disse que eles fornecem audioguias para fazer a visita em inglês. Foi uma pena, porque quando descobri já não tinha tempo para fazer a visita. Fica para a próxima. Também vai ficar para a próxima degustar os whiskies que eles produzem, porque nessa viagem eu estava muito focado na cerveja.
Aqui, foram logo duas. Comecei claro, com a "Rotbier" original. Mas acabei seduzido por também experimentar a versão "Rotbier Bock". As versões "Bock" são mais "fortes", e coloco entre aspas porque não seria a definição mais exata. Mas, trazem mais sabor, mais corpo e também mais álcool. Embora muitas pessoas associem o "Bock" a cerveja escura. Mas existem diversas "Bocks" claras, e no caso das "Rotbier" elas continuavam por ser vermelhas/ruivas. O que impressionou nessa uma hora que estive no bar foi a quantidade de pessoas que entrou para comprar as cervejas para levar para casa. Eles oferecem esse formato, com garrafas reutilizáveis, e parece ser realmente um sucesso local. De novo, fiquei com inveja dos habitantes de Nuremberg hahaha #invejoso
Chegou a hora de procurar pela próxima e última parada. Outro lugar que estava no meu radar era o "Bierwerk”. É um "taproom" com diversas torneiras, onde aproveitei para jantar. Joguei pelo seguro, na Alemanha, salsichas e cerveja nunca falham! Foi um belo prato de "currywurst" acompanhado dessa vez por uma "Munich Dunkel". Por mais que eu goste das "Rotbier", para acompanhar a salsicha preferi uma cerveja que fosse mais leve, e modéstia parte, foi uma ótima opção. Foi um dia bastante intenso, de bucho cheio e com quatro cervejas na mente, acabei voltando para o hotel para descansar, pois a minha Sexta-feira ia ser longa.
Fui muito audacioso no planejamento da minha Sexta-feira. As cervejas que comprei na República Tcheca/Checa foram trazidas para casa pela minha namorada. E aqui, eu ainda estava na dúvida se ia ou não pagar uma mala de porão para trazer cervejas alemãs pra casa. Mas foi aí que me sugeriram visitar um lugar em Nuremberg, o "Landbierparadies". Sem entender muito alemão imagino que signifique algo como o paraíso das cervejas em português.
Mal a loja abriu, entrei despretensiosamente com a ideia de comprar alguns rótulos para trazer para casa. E me deparei com três corredores com cerca de 5 metros de comprimento cheios de engradados/grades dos dois lados. Fiquei uns 20 minutos andando de um lado para o outro pensando "como é que eu vou escolher?". Uma parcela muito pequena das cervejas estava em geladeiras/frigoríficos logo na entrada da loja, acredito que para consumo imediato. E foi aí que eu percebi que ia precisar de uma mala de porão hahaha
Diversos estilos que não se vê muito fora da Alemanha como "Dunkles Bock", "Helles Bock", "Eisbock". Tive que escolher umas duas de cada. E toda essa gincana, encontrar a loja, perceber que precisava de uma mala, comprar a mala, voltar na loja, chegar no hotel, embalar as garrafas em plástico bolha e fazer a mala teve que acontecer antes da hora de sair do hotel, que era às 11 horas. Foi uma manhã corrida, e acho que entreguei as chaves do quarto já passava um pouco da hora, mas não teve problema.
Agora era sentar no trem/comboio e relaxar, certo? Haha eu já tinha ouvido falar mal dos trens/comboios alemães, mas pensava que era exagero. Então cheguei eu na suposta plataforma da estação, e na minha passagem/bilhete não havia qualquer indicação de qual vagão/carruagem ou poltrona eu deveria sentar. Encontrei os próprios comissários/hospedeiros da empresa, mostrei o meu bilhete e perguntei onde eu deveria entrar e a resposta foi mais ou menos assim: "o teu vagão/carruagem ainda não foi ‘engatado’ no trem/comboio. Para garantir, entra em qualquer uma e depois muda na próxima parada". E eu fiquei: “Hein!?" Pensava eu que os alemães eram um povo muito organizado, mas aparentemente isso não abrange a rede ferroviária.
E eu claramente não era o único confuso, muita gente andava de um lado para o outro sem saber onde se enfiar. Entrei em um vagão/carruagem qualquer e pedi novamente ajuda para um local e a resposta foi então: "Senta em qualquer poltrona vazia". E assim foi. Ainda tive que mudar umas duas vezes de lugar porque aparentemente algumas pessoas tem poltronas marcadas e eu estava sentado no seu lugar. Mas depois, ninguém mais apareceu e o próprio fiscal quando passou não me disse absolutamente nada sobre estar sentado ali.
Então pronto, eu deveria ir com o trem/comboio regional de Nuremberg até Fulda. E depois pegar uma linha mais local de Fulda para Alsfeld. Grande aventura. Toda vez que eu contava a um alemão que tinha vindo de trem/comboio de Nuremberg eles faziam uma cara de espanto. E agora eu já entendia o porquê.
Chegando em Alsfeld, aí sim, era só ir para o hotel e relaxar um pouco, certo? Claro que não! HAHAHA Alsfeld é uma cidade muito pequena, e não havia nenhum táxi na estação de trem/comboio. Meu hotel ficava fora da cidade, na rodovia que dá acesso a cidade de Romrod, eram mais de 40 minutos a pé. Parecia até que o Uber funcionava, mas a App ficava procurando motoristas incansavelmente e nunca encontrava. Depois de uns 20 minutos esperando e tentando entender se havia um ponto de táxi em algum lado da estação, finalmente, um táxi veio deixar um passageiro na estação e ficou livre. Agora sim, consegui chegar ao hotel e descansar um pouco.
Mas por que raio foste te enfiar em Alsfeld? Uma pessoa sensata perguntaria. Então, a tal cidade de Romrod é a casa da "Heimbrau Convention", salvo erro a maior convenção de cervejeiros caseiros da Alemanha. E era dentro da programação dessa convenção que aconteceria o tão esperado exame do BJCP. Quando entrei em contato com o organizador do exame, ele me sugeriu que também aproveitasse a convenção, e sim, me pareceu uma boa ideia.
Porém, Romrod é uma vila ainda menor que Alsfeld, e o único hotel é o lugar onde a convenção se realiza, e logo, os quartos são todos destinados a comissão organizadora e convidados do evento. Assim, além de alguns seminários acontecerem em outro hotel de Alsfeld, os participantes da convenção acabam se espalhando pelos hotéis de Alsfeld. Depois que a convenção começa, existe todo um sistema de "transfers" que transporta os participantes dos hotéis para os locais onde a convenção acontece.
Mas, eu cheguei por volta das 16 horas, e os "transfers" só iniciariam a partir das 18h. E estamos falando de uma convenção de cervejeiros caseiros, então óbvio que há pessoas querendo mostrar suas produções quase que a qualquer hora do dia. Assim, consegui uma carona/boleia com outra pessoa que estava no mesmo hotel que eu e também ia fazer o exame do BJCP. Tínhamos um grupo de WhatsApp, e ele gentilmente me ofereceu carona/boleia.
Entro no carro, eram dois caras de Essen, uma cidade da região de Dusseldorf. Fomos em direção a Romrod, mas eles tinham uns amigos que conseguiram uma espécie de Airbnb em Romrod. E íamos deixar o carro lá, antes de irmos para a convenção. Me convidaram para entrar na casa, mesa posta. Pessoas experientes nessa brincadeira fazendo aquele lanchinho típico antes de se jogar na cerveja. Não me fiz de rogado, aceitei um pão com uma espécie de salame que eles tinham acabado de comprar na mercearia local. Confesso que fiquei muito surpreso e agradecido com a hospitalidade.
Nos deslocamos até o "Schloss Romrod" (Castelo de Romrod), onde a convenção já estava recebendo os primeiros participantes para o credenciamento. Fui lá, busquei minha sacola. Era um bom pacote de boas vindas: uma garrafa para água, um copo de vidro para as cervejas, uma amostra de lúpulo de uma marca alemã, adesivos e algumas propagandas também, claro. Enquanto não vi ninguém assim muito oferecendo sua cerveja, resolvi ir ao bar e comprar uma para abrir os trabalhos. Haviam umas cinco ou seis torneiras em um barracão montado no interior das muralhas do castelo, e mais uma geladeira/frigorífico cheio de garrafas. Mas como havia uma "Rauchbier" (significa exatamente cerveja defumada), as outras não tiveram hipótese. Comecei com essa "Weiherer Rauch" e andei explorando os cantos da casa.
Abrindo os trabalhos da "Heimbrau Convention" no Castelo de Romrod (esquerda). Planilhas de avaliação de cerveja do exame do BJCP (centro). Memorável degustação de "Piwo Grodziskie" durante a convenção (direita).
Era um lugar muito peculiar. Entravas na torre do castelo e começavas a subir as escadas em caracol, e a cada andar uma sala se abre com uma variedade incrível de coisas acontecendo. E conforme a noite foi adentrando, mais eventos iam começando. E finalmente, havia cerveja sendo oferecida em quase todos os cantos do castelo. Mas, se vocês bem lembram, meu dia tinha começado cedo e não tinha sido fácil. Por isso, lá pelas 21h o cansaço começou a bater, mas os "transfers" só começavam a funcionar no percurso contrário a partir das 22h20. Essa uma hora foi bem longa haha ainda degustei mais uma cerveja aqui e ali, e com o cair da noite a temperatura também caiu, aumentando a vontade de estar deitado debaixo das cobertas (sim, estou velho!).
E claro, eu não podia abusar da cerveja nessa primeira noite, porque na manhã seguinte tinha que fazer o exame do BJCP e os meus sentidos tinham que estar na sua melhor forma. Ainda deu tempo de conhecer uma brasileira e o seu namorado alemão que vieram de Berlim especialmente para a convenção enquanto esperávamos pelo "transfer". E pronto, finalmente voltei para o hotel e tive direito a um merecido descanso.
No dia seguinte, era acordar, tomar banho, café da manhã/pequeno-almoço e ir beber cerveja. Sem exageros. O exame do BJCP começou às 10h00, e nas quase duas horas seguintes tive que avaliar seis cervejas diferentes em formato de concurso de cerveja. Quinze minutos para descrever aroma, aparência, sabor, sensação de boca e a impressão geral de cada cerveja. Pode parecer bastante tempo, mas pareceu incrivelmente pouco. Porém, foi uma experiência bem legal, especialmente conhecer as outras pessoas e discutir as percepções depois do exame ter sido encerrado. Os juízes oficiais nos apresentam as cervejas que avaliamos, três delas eram marcas comerciais, e discutem o que eles sentiram e descreveram para termos uma ideia de como nos saímos, mas também para aprendermos com os experts. Gostei muito de ter feito o exame e participado dessa vivência, valeu muito a pena vir até aqui. Mas o resultado ainda demora para sair. As nossas avaliações das seis cervejas são comparadas com os descritores dados pelos juízes oficiais, e no final recebemos uma nota.
Sinceramente, estou bastante confiante que atingi os 60% necessários para ser Juiz Reconhecido, e ainda com uma certa esperança de ter atingido os 70%, que me dariam o status de Juiz Certificado. Mas, estou ainda mais entusiasmado com a possibilidade de já poder participar de competições como juiz provisório. Os amigos de Essen já me convidaram para uma competição que eles estão organizando lá em Setembro. Porém, ainda não encontrei passagens de avião encorajadoras para abraçar essa ideia. Mas devo iniciar o meu percurso de juiz já na próxima semana, em Sofia, no concurso da Associação de Cervejeiros Caseiros da Bulgária. Claro que teremos um post sobre isso.
Mas voltando a Romrod, era meio dia e eu já tinha avaliado seis cervejas. Tive que ir ao bar logo na saída para poder simplesmente beber uma cerveja sem ter que pensar em seus atributos e refletir sobre o que fazer com o resto do meu dia. Havia diversos seminários, palestras, workshops e degustações, mas todos necessitavam de inscrição prévia. Naquele momento já não haviam vagas disponíveis para nada, e a grande maioria das atividades acontecia no idioma local é claro. Eu também preferi por não me inscrever em nada porque percebi que havia atividades em dois lugares diferentes, e eu não tinha certeza de como ia fluir o deslocamento entre esses lugares.
Resumindo e concluindo, fui em direção ao hotel, almocei antes de chegar lá e tirei um merecido cochilo. A minha próxima atividade começava só às 17h, e sem certeza absoluta sobre os percursos dos "transfers" decidi ir a pé. Sim, meu hotel era em uma rodovia, mas para a minha surpresa, havia um espécie de caminho pedonal que seguia toda a rodovia e ia até a cidade. Claro, levava quarenta minutos, mas como eu tinha tempo, estava um dia bonito e agradável, valeu a pena fazer algum "exercício".
Essa atividade aconteceu no outro hotel, em Alsfeld. Era uma degustação de um estilo histórico polonês/polaco que quase foi extinto, chamado "Piwo Grodziskie”. Na verdade, ele chegou a ser extinto, mas graças a um esforço conjunto de diversos setores da sociedade polonesa/polaca, o estilo voltou a ser produzido e hoje vem sendo interpretado e expandido por diversas marcas industriais e artesanais.
A degustação foi ministrada pelo sócio fundador e presidente da Associação de Cervejas Artesanais da Polônia, Marek Kamiński. Ele também foi um dos juízes no exame do BJCP, e é uma pessoa muito atuante no meio cervejeiro, seja industrial ou mais caseiro/artesanal. Ele nos trouxe oito rótulos diferentes do estilo, o que é realmente impressionante. Eu nunca tinha visto o estilo a venda. E ele nos propôs uma jornada, começando com a receita original e passando por interpretações mais artesanais e por último experimentações bem recentes com adições de frutas por exemplo.
Era uma sala com cerca de 20 pessoas, e os alemães pareciam bastante familiarizados com o estilo. Mas foi uma legítima aula, desde o contexto histórico, a parada da produção, o renascimento do estilo, dicas sobre como produzir em casa, atributos e características do estilo, tudo isso foi abordado. Infelizmente, o término da degustação teve que ser um pouco abrupta, pois todos tínhamos que apanhar os últimos "transfers" de volta para Romrod, e mal sabia eu o que ainda viria pela frente naquela noite. Então enchemos os copos, pois havia imensa cerveja disponível ainda da degustação, e fomos até a parada esperar pelo "transfer".
De volta ao Castelo de Romrod, nessa altura eu ainda não tinha entendido o que aconteceria a noite. Para a minha sorte, encontrei o casal brasileiro-alemão e questionei como funcionava o resto da noite. Então eles me explicaram. Esse era um dos momentos mais aguardados da convenção. Em um pavilhão bem grande que ficava a menos de 10 minutos do Castelo, teríamos a grande competição da convenção cervejeira. No saco de boas vindas, haviam 4 cartões que até então eu não sabia para que serviam. Mas no fundo, essas eram as minhas cédulas de votação para a competição da noite. Eram dois rounds com quase 50 cervejas cada. Podíamos votar na melhor cerveja, e na mais popular. A melhor acho que é bastante intuitivo, e a mais popular no fundo é a que tem o melhor marketing/divulgação/engajamento, e quase sempre puxando para o lado divertido da coisa.
Foi muito legal, pessoas fantasiadas, adesivos, brindes, cartazes, tudo que vocês possam imaginar era utilizado para tentar nos convencer de votar na cerveja. O grupo de Essen por exemplo, tinha uma "Scottish Ale" e apareceram todos vestidos com "kilts" para servir a cerveja. Enfim, a competição é sem dúvida a parte mais divertida da convenção, e as pessoas passam o ano inteiro pensando e testando suas receitas para finalmente ter a oportunidade de ouvir um grande público cervejeiro aqui em Romrod. No final, além da divulgação dos concurso cervejeiro oficial do evento que segue os padrões do BJCP, também é feita a divulgação das melhores e mais populares cervejas. E nesse clima de festa, se encerra a última noite do evento.
Mas calma, ainda não terminou.
Na manhã seguinte, o evento de encerramento é um café da manhã/pequeno-almoço alemão. São servidas aquelas salsichas brancas, pão e claro uma "weissbier". Logo que conheci o pessoal de Essen, contei para eles que tinha interesse de passar em Bamberg no retorno para Nuremberg, onde eu apanharia o voo para voltar. E que, sabendo que vinham pessoas de todos os cantos da Alemanha, eu contava arrumar uma carona/boleia com alguém de lá para Bamberg. E eles logo falaram: "tens que falar com o Daniel". E logo no primeiro dia me apresentaram o Daniel, e entre cervejas e conversas ele disse que sim, que eu poderia ir com ele. Porém, eu não tinha pegado o número dele ainda, e não tinha certeza se no momento em que falei com ele, ele estava sóbrio o suficiente para lembrar. 😂
Mas sim, o Daniel não falhou! No sábado a noite ainda confirmei com ele, e peguei o número para garantir. E ele também me disse que precisava ir mais cedo, que provavelmente não ia ficar para o café da manhã/pequeno-almoço. Eu confesso que não estava muito convencido com a ideia de depois de 10 dias bebendo no mínimo dois litros por dia, começar o dia com salsichas e "weissbier". Então, assim foi, mal cheguei eu ao pavilhão e o Daniel já perguntou se poderíamos ir andando. Um bom passageiro não escolhe hora, e assim eu também teria mais tempo para explorar Bamberg.
O Daniel Stenglein fazia parte da comissão organizadora do evento, por isso sempre que falamos dava para perceber que ele estava muito ocupado. Na viagem, finalmente tive tempo para conversar com ele, e com o interesse em comum por cerveja, foi uma viagem que passou muito rápido. Descobri que ele já foi e continua sendo jurado inclusive do "World Beer Awards", e ele tinha ministrado um seminário que pareceu muito interessante sobre o papel da oxidação na cerveja durante a convenção. Porém, claro, em alemão. Mas além da gentileza de me levar até Bamberg, ainda pareceu ser um cara muito simpático e aberto, me deu dicas sobre produção de "Weissbier", falamos sobre equipamento cervejeiro e ele também me deu a dica de milhões.
A cada dois anos, em Nuremberg, é organizada a "BrauBreviale". É considerada a maior feira cervejeira do mundo. E os ingressos não são vendidos, são distribuídos por pessoas dos setores cervejeiros para quem eles acham que faz sentido. E quem é uma dessas pessoas? O Daniel! Ele disse que me conseguiria ingressos se eu estivesse interessado. Grande Daniel! É uma pena que não haja esse ano, mas se tudo correr bem, em Novembro de 2026, lá estarei eu em Nuremberg outra vez.
Não sei se foi porque ele gostou da conversa, mas inicialmente ele me disse que me deixaria nos arredores de Bamberg, mais próximo de onde ele vive. No fim, me deixou mesmo no centro, a menos de cinco minutos do meu hotel. Enfim, me senti em dívida com o Daniel, espero um dia poder retribuir.
E finalmente, chegamos em Bamberg. Nos textos que anteviram o acontecimento da primeira BrewVenture, eu já devo ter mencionado que Bamberg é Patrimônio Histórico da UNESCO e que é famosa pela produção de cervejas com caráter defumado. E essas cervejas são das minhas preferidas. O expoente da cervejaria de Bamberg é provavelmente a "Schlenkerla". E não por coincidência, meu hotel ficava mesmo ao lado da sua cervejaria. E o que eu aprendi nesses dias de interação com os alemães e na viagem com o Daniel é que além da "Schlenkerla", apenas mais uma cervejaria continua defumando o seu próprio malte. Existem outras cervejarias que produzem cervejas defumadas nessa região, mas praticamente todas acabam por comprar o malte a essas duas que fazem a defumação. E eu ouvi do Daniel e de mais um alemão que conheci na convenção que para eles, a cerveja da outra cervejaria é ligeiramente melhor. A "Schlenkerla" acaba por ter uma penetração de mercado maior, e é conhecida mundialmente como "A" cerveja de Bamberg. Mas aparentemente os locais preferem a outra, a "Brauerei Spezial".
E o que defumar o próprio malte implica? Controle! O malte pode ser defumado com diferentes tipos de lenha, por diferentes quantidades de tempo, já durante o processo de malteação ou posteriormente e etcs. Por mais que conheçamos muito bem o nosso fornecedor, só sendo nós mesmos a fazer esse processo conseguimos garantir que vamos estar sempre muitos próximos do mesmo caráter defumado na produção da cerveja.
Deixando o papo técnico de lado, então cheguei em Bamberg com essa missão, era Domingo por volta do meio dia. O Google Maps me dizia que a "Spezial" estaria aberta até o final da tarde (o Daniel já tinha me dito que achava improvável). Mas lá fui eu, pensando em deixar a "Schlenkerla" para mais tarde já que ela ficava aberta até umas 23h. A "Brauerei Spezial" fica um pouco mais afastada, em um dos extremos do centro de Bamberg, então ainda eram uns quinze minutos de caminhada. E infelizmente, foi em vão! 😭O Daniel tinha razão, não abrem no Domingo.
Mas enfim, havia ainda algumas cervejarias abertas, vamos lá aproveitar. Acabei voltando para almoçar na "Schlenkerla", e claro que não decepcionou. Já tinha bebido algumas vezes em garrafa, é até relativamente fácil de encontrar aqui na Grécia. Mas aqui o rolê é "difereeentchi"! Aqui bebemos diretamente do barril de madeira, e vai soar repetitivo, mas faz TODA a diferença. Não sei se vocês me entendem, mas os sabores, e nesse caso principalmente o caráter defumado que para muitos pode ser agressivo, está muito mais arredondado. É macio, gentil… espetacular! Mais uma vez, estava eu saboreando cada gole, segurando o copo no ar em um sinal de reverência e fazendo sinal de positivo com a cabeça. Que maravilha!
(PAUSA PARA DESABAFAR: nesse momento, são 9h52 da manhã, e escrever isso me deixa salivando! Escrever sobre cerveja é um exercício constante de auto-controle HAHAHAHA vamos lá para mais um café).
Barris de madeira prontos para encherem os copos da "Schlenkerla" (esquerda). Geladeira/frigorífico cheio de cervejas locais no "Zapfhahn" (centro). Copo de "Schwarzbier" na "Klosterbräu" (direita)
Almocei umas bochechas de novilho com aquele molho delicioso. E assim sendo, me senti confortável para pedir uma cerveja de sobremesa. Como estamos na altura da quaresma, eles tem sempre uma "lentbier" (algo como cerveja do jejum em português). São cervejas um pouco mais encorpadas e que eram consumidas pelos monges/monjas/abades/abadessas durante esses períodos de jejum. Ela costuma conter uma certa quantidade de levedura que adiciona valor nutritivo. E que, novamente, mostra a maestria da "Schlenkerla" em incorporar o sabor defumado em qualquer tipo de cerveja. Bucho cheio, um litro de cerveja, hora do cochilo. Mas só porque o hotel era logo ao lado 😜
Depois de acordar, aproveitei para andar e explorar um pouco mais esse lindo centro histórico. É daquelas cidades que foram erguidas em cima de um rio, e acaba por formar vários canais, pontes e panoramas medievais absolutamente fantásticos. Mas é bastante pequeno também. Logo parei para beber um café, e depois era hora de voltar a exploração cervejeira. Novamente, por ser Domingo, algumas cervejarias estavam fechadas. Encontrei então o "Zapfhahn". É uma cervejaria e hamburgueria que fica em uma das principais ruas do centro. Eles não tem uma marca, são apenas um bar/taproom. Entrei e não fiquei muito convencido com o que havia nas torneiras. Porém, eles tinham uma geladeira/frigorífico cheia apenas com cervejas locais.
Eu sei, sempre digo aqui que a cerveja da torneira é a mais fresca e mais viva possível. Porém, toda regra tem sua exceção. O cardápio deles traz um mapa, e identifica onde fica cada uma das cervejarias. E conseguimos ver que estão todas em um raio de talvez 50-60 quilômetros de Bamberg. Sendo assim, estamos sempre perto da fábrica, e como já mencionei, a cultura de consumo alemã é diferente. Logo, podemos ter exemplares muito frescos em garrafa, e segundo o Daniel, os alemães só bebem "Weissbier", por exemplo, em garrafa (a re-fermentação em garrafa é considerada parte do processo de produção tradicional). E para completar, eles tinham a "Spezial" em garrafa. Sendo assim, depois de ouvir tanta propaganda, claro que tive que experimentar. E realmente era deliciosa, equilibrada e exuberante. Mas o meu eu adorador de barril de madeira ficou martelando: "deve ser ainda melhor na cervejaria da fábrica". Enfim, um dia eu hei de descobrir.
Segui a peregrinação e já ia anoitecendo. A temperatura também tinha caído e por ser Domingo já não restavam muitas alternativas. Escolhi ir a "Klosterbräu" e beber uma antes e outra depois de jantar. Ela foi oficialmente fundada em 1533, mas dizem haver documentos indicando produção de cervejeira desde 1333. É considerada a mais antiga fábrica em funcionamento em Bamberg. Quando entramos no restaurante parece mesmo que voltamos no tempo. O chão de madeira, as paredes com madeira até a metade da sua altura, cadeiras de madeira. Se eu fechar os olhos parece que consigo sentir o cheiro desse ambiente. Essa mistura de madeira, algum cheiro já vindo da cozinha, e claro, cerveja.
Na lista eles tinham uma "Schwarzbier", estilo que também não é muito frequente encontrar. Como já vim preparado para beber duas, deixei a defumada para a segunda rodada e comecei por essa. Uma deliciosa mistura de sabores tostados lembrando café equilibrados com um toque de chocolate amargo/negro. Eu sei que sou eclético, mas realmente acho estranho não ver esse estilo com mais frequência. Para jantar, fui de "schnitzel", e acho que ainda não comentei que tanto na República Tcheca/Checa quanto na Alemanha as doses de comida são gigantescas. Nesse caso eram dois bifes grandes mais os acompanhamentos. Mas estava muito bom, e pensava eu que não tinha pressa. Mas de repente o garçom veio me dizer que era a última chamada, que depois eles iriam fechar. Então no apagar das luzes, quase explodindo de "schnitzel" ainda pedi a saideira. A "Rauchbier" da casa e mais uma vez me peguei com aquela sensação de realização.
Nessa hora o cansaço já ia batendo, e comecei a refletir sobre tudo que aconteceu nos últimos dez dias. Que privilégio! Mergulhar de cabeça em duas culturas cervejeiras que por mais distintas que sejam, nos fazem entender o significado que a cerveja tem no dia-a-dia deles. Enquanto muita gente hoje demoniza o consumo de álcool, esses países tem essas micro cervejarias espalhadas pelo território que não só movimentam o comércio local mas também propiciam ambientes magníficos para a interação social, para a partilha, coisas que são tão importantes para nossa saúde mental. Não por coincidência são países que figuram entre os 5 maiores consumidores de cerveja per capita no mundo, e não me parece que ao mesmo tempo figurem nas estatísticas de maiores níveis de alcoolismo ou mortalidade.
Mais especificamente sobre a Alemanha, nem tenho palavras para descrever o que é vivenciar a cultura cervejeira alemã assim tão de perto, dentro de um festival de cervejeiros caseiros. Na carona/boleia que peguei de Romrod para Bamberg, o Daniel a certa hora diz assim “mas a cena artesanal aqui na Alemanha está morta". E eu fiquei tipo, oi? Acabamos de voltar de uma convenção de cervejeiros caseiros que serviu só na noite de ontem cerca de cem cervejas, isso é estar morto? Estamos em um país que em qualquer região que estamos encontramos centenas de microcervejejarias, isso é estar morto? E então ele continuou explicando que estilos diferentes dos tradicionais da Alemanha ("IPAs", "New England IPAs", "West Coast IPAs", "Sours" e etcs) praticamente não existem em termos de mercado. E aí que eu entendi que microcervejarias oferecendo "Munich Helles", "Weissbier", "Märzen", "German Pils" em cada esquina para eles não é considerado cerveja artesanal. É um bem adquirido historicamente e que eu ainda não encontrei nada parecido em algum lugar. Não tem espaço para esse mercado artesanal "tradicional" que se apaixonou por lúpulos, "dry-hoppings" e mais recentemente por acidez e azedume. Foi essa parte da minha pequena (muuuuuito pequena) decepção com as marcas artesanais mais recentes da República Tcheca/Checa. Imagino que contextos semelhantes devemos encontrar na Bélgica, no Reino Unido, mas talvez sejam os únicos lugares no mundo que não se venderam completamente para a influência americana.
E podemos pensar que é pura e simplesmente adoração por todos os estilos maravilhosos que existem e podemos encontrar por aqui. Mas o Daniel adicionou que houve um princípio de tentativa de introduzir "IPAs" e suas vertentes. Porém, a cultura alemã é realmente única no que diz respeito ao consumo de cerveja. O país é grande, e existem cervejarias em todas as vilas praticamente. Eles consomem muito localmente, por entender que muito dos melhores estilos só se degusta na fonte ou perto dela. Eles compram engradados/grades de cerveja nas fábricas ou lojas especializadas por pouco mais de 1 euro a garrafa. Tive o prazer de visitar uma dessas lojas como relatei em Nuremberg.
Ou seja, não existe uma cadeia fria para armazenamento a longo prazo. A cerveja é feita para ser consumida, e o hábito de passar por lojas como essas e comprar engradados/grades faz com que a cerveja praticamente não envelheça. Imagina as "APAs" e as "IPAs" serem introduzidas aqui. Segundo o Daniel, primeiro custavam mais caro. Segundo, eram completamente desconhecidas e pouco se fez para tentar introduzir os estilos para o pessoal que está acostumado com suas cervejas baratas. Como não eram compradas logo, e estavam armazenadas a temperatura ambiente, acabavam por oxidar. E os estilos lupulados sofrem muito com a perda do frescor. Primeiro é o aroma que desaparece, e depois o perfil do malte vai desenvolvendo um dulçor de caramelo exagerado que nada tem a ver com o perfil do estilo original. Portanto, quando finalmente alguém resolvia abrir o bolso e gastar o dobro ou o triplo para experimentar uma "APA" ou uma "IPA", tinha a pior experiência possível. Assim, esses estilos morreram no gosto dos alemães muito antes de nascerem. Porém na convenção de cervejeiros caseiros experimentei muitas "IPAs", "APAs" e variantes de grande qualidade. Privilégio para quem é amigos desses cervejeiros e que frequenta os eventos de cervejeiros caseiros.
Para concluir, diria que foi realmente pouco tempo. Sobraram cervejarias para visitar praticamente em todas as cidades por onde passei. E tudo bem, agora que sei que há um voo direto para Nuremberg, vai estar sempre no meu radar. Sou uma das pessoas mais estranhas no que diz respeito a visitar a Alemanha. Não conheço Berlim, não conheço Munique. Mas conheço Nuremberg, Bamberg, Alsfeld, Romrod e Weimar. 😂 vamos ver se nos próximos tempos conseguimos expandir a exploração cervejeira na Alemanha. Espero que tenham gostado. Sei que os textos ficam gigantes, mas isso é realmente para quem estiver interessado a ler.
E se algum dia vocês tiverem um conhecido que vai visitar essas regiões, já sabem onde encontrar algumas dicas. E claro, fiquem a vontade para compartilhar o blog ou o Insta, que é sempre um prazer poder dar dicas mais personalizadas para cada pessoa.
Até a próxima! Saúde!