A magia dos festivais de cerveja!

Largo Calouste Gulbenkian estará novamente tomado pelos participantes do Artbeerfest em Caminha, Portugal.

Olá! Eu sei, poderia ser mais uma edição do “Pergunta-me algo sobre cerveja” questionando “Qual o meu festival de cerveja favorito?”. Mas ainda me considero um iniciante no que diz respeito a festivais de cerveja. Fui maioritariamente aos festivais portugueses, e em alguns aqui entre a Grécia e a Bulgária. Mas nunca fui ao que são considerados os maiores ou os mais importantes, e por isso vou guardar essa pergunta para o eu do futuro que se tudo correr bem vai participar desses festivais. Ainda, a resposta dessa pergunta não iria ser depende, e por isso ia quebrar o meu encanto haha

Como amanhã começa o que para mim é o melhor festival de cerveja que já fui, resolvi dedicar algumas palavras a esses eventos emblemáticos tão fantasiados pelo imaginário dos amantes da cerveja artesanal, os festivais de cerveja.

Sim, amanhã, dia 10 de Julho de 2025 (e até o dia 13 de Julho) arranca mais um "ArtBeerFest", considerada a meca da cerveja artesanal portuguesa e que trás pessoas de todo mundo para o pequeno município de Caminha. Pra quem não conhece a geografia portuguesa, Caminha é a primeira cidade costeira no extremo Norte, separada da vizinha Espanha apenas pela foz do rio Minho. Uma cidade calma, pacata com cerca de 2500 habitantes e pertencente ao distrito de Viana do Castelo. O festival vai na décima segunda edição e vai contar com mais de 20 marcas internacionais, além claro da grande maioria das marcas portuguesas. Serão cerca de 400 cervejas para experimentar em quatro dias de festival. Tive o prazer de participar das edições de 2019, 2022 e 2023 e hoje vivendo na Grécia morro de inveja das pessoas que lá estarão.

Mas esse post não é para falar especificamente sobre o "Artbeerfest", mas sim para tentar destacar alguns pontos que fazem um festival de cerveja ser tão marcante, emblemático, memorável quanto o "Artbeerfest" é. Ou seja, vou acabar falando bastante dele hehe

Primeiro de tudo, vamos ter as básicas condições de convívio e necessidades fisiológicas que devem ser garantidas em qualquer evento. Então é claro que um esforço primordial deve ser feito para que todos possam ir ao banheiro/casa de banho quando necessário, comer quando necessário, sentar quando necessário, beber água quando necessário e etcs. Essas deveriam ser as fundações de uma boa experiência e nunca serem negligenciadas ou colocadas de lado por nenhuma outra prioridade. Em festivais de música e de verão muitas vezes essas condições não são ótimas, mas por ter um público mais jovem e despreocupado acabam por continuar sendo um sucesso. Os festivais de cerveja costumam ser ambientes mais familiares, e sendo assim, essas condições básicas devem ser tão prioridade quanto a escolha das marcas de cerveja ou das demais atividades do evento. 

Segundo, como amante de boa cerveja e tendo sempre a sede de descobrir novos néctares, ir a um festival de cerveja é um momento singular para pessoas como eu. Quando vivemos em uma geografia acabamos por ter uma oferta de cerveja limitada. Por melhor que seja a posição geográfica, a inquietude das marcas em produzir novos rótulos e os distribuidores/importadores de cerveja, no geral, a variedade de cervejas é mais ou menos a mesma. Uma das coisas que alimenta o desejo de pessoas como eu irem a um festival é justamente a oportunidade de experimentar cervejas diferentes. Em caso de festivais locais, sem cervejarias de fora, as próprias marcas locais podem programar novos lançamentos para o festival, e torná-lo mais interessante sem necessitar de bancar participantes internacionais. São sinergias como essas que podem fazer um festival passar de mais um festival para O festival. 

Assim sendo, vou adicionar a palavra sinergia como o terceiro componente importante do sucesso dos festivais de cerveja, e passo a explicar com dois exemplos. O "Artbeerfest” é um festival aberto que acontece no Largo Calouste Gulbenkian, mesmo em frente da Câmara Municipal de Caminha. Ou seja, qualquer pessoa, mesmo as que não consomem cerveja podem estar no recinto e usufruir da programação cultural que é maioritariamente aberta. O "ingresso" do evento acaba por ser a compra do copo e das fichas para o consumo de cerveja. Nenhuma marca vai servir cerveja em copos que não sejam do evento, e nem vender cerveja direatamente ao público em dinheiro ou por cartão. Essa é a exclusividade dos reais participantes do festival que pagaram ingresso. Mas, por ser aberto, conseguimos estar com outras pessoas que não compraram o ingresso e somente vieram curtir a música, uma noite agradável de verão na praça ou o convívio de amigos e familiares amantes de cerveja. Consegui levar familiares e amigos e dar a provar diversas cervejas graças a esse formato, algo que não é possível quando o recinto do festival é fechado.

À esquerda, a típica foto com o letreiro do Arbeerfest em Caminha, Portugal (2023). Ao centro, uma versão mais jovem minha correndo a tradicional “Mikkeller Run”. È uma corrida muito agradável à margem do Rio Minho. O meu sorriso de quem está avistando um posto de hidratação, que claro, tem cerveja como opção. 🍻 À direita, a típica foto com o letreiro do Artbeerfest, dessa vez em 2022.

Mas, mais que isso, esse formato aberto fez com que a comunidade local abraçasse o festival. Desde o início, a interação entre os habitantes da cidade e o comércio local com os participantes do festival gerou uma sinergia como pouco se vê em outros festivais. Como muito se vê na Europa, Portugal e o município de Caminha sofrem um processo de envelhecimento, e muitos esperariam (chama-se Idadismo esse tipo de preconceito) que uma população envelhecida virasse as costas a ideia de encher a cidade de pessoas, cerveja “estranhas”, música e etcs. Porém, observa-se exatamente o oposto e esse encontro de gerações é mais uma das características que faz o festival único e um grande promotor da economia local e da qualidade de vida da sua população. O impacto do festival na economia local já foi inclusive alvo de documentário, e hoje o município aguarda ansiosamente pelos amantes da cerveja para viverem novamente a euforia de um fim de semana de festa. Claro que o fato do festival ser organizado no verão, em uma cidade costeira que conta com a beleza da saída do Rio Minho para o Oceano também ajuda a atrair os visitantes. 

Passando para o outro exemplo, reparei em outro tipo de sinergia quando fui esse ano ao "Balkan Beer Bash", em Sofia, na Bulgária. Diferentemente do “Artbeerfest”, esse é um festival que acontece em recinto fechado no formato “open-bar”. Ou seja, pagamos um valor e consumimos toda a cerveja disponível durante um período determinado de tempo. Muito diferente de Caminha, Sofia é uma capital europeia vibrante já acostumada a receber turistas independente da programação do fim de semana. Mas os organizadores do "Balkan Beer Bash" dinamizam uma série de atividades em diversos bares e lojas de cervejas artesanal da cidade durante toda a semana do evento. Essa dinâmica quase que amplia os dias de festival e faz com que praticamente todos os estabelecimentos de cerveja artesanal da cidade se sintam parte do festival. Ainda, a maior parte dos seus donos e funcionários acabam por ser os próprios voluntários que fazem o festival acontecer.

À esquerda, o copo da edição desse ano do Balkan Beer Bash (o copo pequeno ajuda a evitar os desperdícios). Ao centro, o detalhe do lugar para deixar o copo no banheiro/casa de banho 😂. À direita, o icônico balão da Omnipollo na sua banca já sem qualquer resquício de cerveja disponível.

Nesta última edição, Sofia foi invadida por diversas marcas desde a Terça-feira anterior ao festival. E conforme a Sexta-feira se aproximava, mais eventos iam acontecendo preparando uma atmosfera singular que culmina na apoteose dos dias de festival. Esses momentos criam oportunidades singulares para interação entre as próprias marcas e desenvolvimento de colaborações futuras. Além disso, criam oportunidades para os amantes de cerveja encontrarem os criadores/representantes das marcas em um ambiente de bar descontraído e amigável. Associamos rostos as marcas, e elas passam a ter ainda mais apreço na nossa memória cervejeira. São essas sinergias que também fazem com que os festivais se tornem verdadeiras instituições, grandes marcas com potencial de serem exploradas durante o ano inteiro e não só nos dias do festival. 

Outra coisa importante, é percebermos que festival queremos ser, ou seja, a identidade do festival. Nos dois casos que venho mencionando, temos um festival aberto que acontece no seio da comunidade local e propicia esse convívio e outro festival fechado, "open bar" que acaba por ser um local de culto para amantes mais veteranos de cerveja artesanal. Os dois funcionam, mas tem públicos e funcionamentos completamente diferentes. Por ser um festival aberto e da comunidade, o "Artbeerfest" apresenta uma série de atividades extra como shows/concertos, a famosa "Mikkeler Run", provas comentadas e etcs. Porém, nenhuma dessas atividades tira protagonismo da cerveja, eles sempre souberam que primeiro eram um festival de cerveja. Depois de um ano vivendo na Grécia, escuto um certo desconforto que aqui os festivais de cerveja são mais de música do que de cerveja. Os organizadores acabam por investir em grandes nome da música para atrair mais pessoas, e algumas marcas reclamam que não tem clientes durante os shows/concertos. Usando o "Artbeerfest" como exemplo, a música sempre foi tida como um complemento, nunca uma distração. Lembro que na edição de 2019 ainda havia um pequeno palco onde aconteciam concertos de bandas locais, mas nos outros anos que fui a organização utilizava bandas e atividades mais móveis e que conseguiam apresentar suas performances circulando pelo meio dos participantes do festival. Pode soar estranho, mas realmente funciona. E para vocês terem uma ideia de o quanto o "Balkan Beer Bash" é sobre cerveja, eu sinceramente não lembro se quer se havia música ambiente no local. Novamente, duas atmosferas distintas, dois festivais únicos, cada um com a sua identidade, mas com a cerveja como protagonista. 

Sendo assim, vou concluir com esses quatro pontos:

  1. Condições básicas de convívio em público;

  2. Novidades cervejeiras;

  3. Sinergias;

  4. Identidade.

Enfim, é a minha humilde opinião e conversando com diversos festivaleiros, quase todos mais experientes do que, acabamos sempre por concordar que não existe uma fórmula específica para um festival de sucesso. E que nunca um festival vai ser um "Artbeerfest" ou um "Balkan Beer Bash" logo na primeira edição. É um constante exercício de tentativa e erro, e muitas vezes com o passar do tempo precisamos encontrar novas formas de manter até os mais fiéis participantes interessados. Mas acho que esses quatro pontos podem ajudar na reflexão para se construir um festival de sucesso. Outro ponto comum talvez entre esses dois festivais é a paixão dos seus idealizadores. Claro que existe toda uma equipe de apoio, mas tanto o Otávio Costa ("Artbeerfest") quanto o Rostislav Bakalov ("Balkan Beer Bash") são pessoas com anos de serviços prestados a cerveja artesanal e que conseguem como ninguém contagiar, motivar e liderar a realização desses festivais. São pessoas que se apaixonaram pela cultura cervejeira quando ela ainda só existia em países como a Alemanha, Bélgica, Reino Unido e se tornaram embaixadores desse movimento que hoje se espalha por quase todas as geografias. Em Portugal, ou na Bulgária, ninguém pode falar em movimento "craft" sem citar essas duas personalidades e os "seus" festivais. A esses seres iluminados hoje vou erguer o meu copo, fechar os meus olhos e me transportar para a praça de Caminha cheia de pessoas sorrindo, compartilhando novas memórias, e claro, bebendo boa cerveja! Vida longa aos festivais de cerveja! 

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PerguntA-me algo sobre cerveja - Parte 1